domingo, novembro 19, 2006

A Missão de Portugal

Naquela manhã o sol ia alternando com as nuvens, aquecendo as ruas e as casas que limitam a Feira da Ladra. As pessoas circulavam e algumas paravam, observando os artigos de ocasião que se espalhavam por ali.
Um homem alto e saudável, de chapéu de palha, apregoava alto com uma voz sonora: "Vende-se orgulho! Vende-se orgulho!". Junto a si tinha uma manta estendida no chão com dezenas de frasquinhos pintados de várias cores e tonalidades. Uma pequena rolha de cortiça tapava cada um deles.
Um grupo de jovens parou junto a ele e aproximaram-se observando atentamente as pinturas expostas nos pequenos frascos. Pelos seus comentários deviam ser estudantes de pintura e mostravam-se admirados com a mistura de cores e com as técnicas utilizadas nas composições decorativas.
Uma senhora idosa aproximou-se e perguntou apontando para baixo: "Quanto custa cada frasquinho?"
"A senhora dá o que quiser, freguesa" Disse o homem.
Um polícia chegou devagar observando curiosamente a senhora que escolhia criteriosamente um dos frasquinhos. Depois de se decidir por um em tons esverdeados, a senhora levantou-o em direcção à luz do sol e, agitando-o perguntou ao homem: "Mas isto não tem nada cá dentro!?
"Desculpe minha senhora mas isso não é verdade. Este frasco está cheio do melhor orgulho que um português pode ter! E diga-me a senhora, já alguma vez sentiu orgulho de ser pertencente a este pequeno grande país?"
"Concerteza que sim, ora essa! Olhe, por exemplo quando a Rosinha ganhou aquela medalha de ouro lá no estrangeiro, até me vieram as lágrimas aos olhos. E temos ficado muitas vezes em primeiro lugar nos "Jogos Sem Fronteiras". Só fico triste é por não conseguirmos fazer novelas como as brasileiras".
Um velho que tomava atenção à conversa interveio nesse momento dizendo: "Balelas, só balelas! Essa conversa do orgulho é uma treta! Orgulho de quê? De sermos dos países mais atrasados e com menos nível de vida na Europa? Do nosso analfabetismo? Da nossa miscelânea racial? Ó amigo, e apontava para o vendedor de orgulho, o senhor safava-se melhor a vender "bufas de americanos".
Os jovens riram-se em coro e até o polícia deu uma gargalhada divertido com a conversa, enquanto o vendedor olhava muito espantado para o velhote. De repente ele baixou-se e começou a procurar qualquer coisa dentro de um saco, donde retirou um frasco maior que os outros, pintado de cores douradas e brilhantes. Exibiu o frasco frente aos outros e o seu semblante mostrava uma satisfação contagiante.
"Aqui dentro deste frasco guardaram os meus antepassados, sucessivamente, o enorme potencial que essas gerações de audaciosos marinheiros foram acumulando no regresso de cada uma das suas viagens. Era uma prática comum entre os homens do povo, aqueles que pouco mais ganhavam que o seu sentimento de liberdade, em fazerem os relatos das suas viagens, entre amigos e em frente a frasquinhos como estes, que depois de tapados eram religiosamente guardados e passavam de geração em geração como relíquias familiares. Sendo eu um descendente de uma antiga família de marinheiros, ao ter conhecimento desta herança resolvi partilhá-la com aqueles que se mostrassem interessados".
O polícia riu-se novamente e disse: " Então se esses frasquinhos são tão importantes para si, porque razão não os guarda?"
Com um ar sério o homem rebuscou novamente dentro do saco e tirou um velho pergaminho com as margens já gastas pelo tempo. Desdobrou-o e mostrou-o a toda a gente. Em letras medievais lia-se claramente: "A Missão de Portugal".

(continua)